A propósito de uma infeliz declaração de uma passageira entrevistada rumo à zona de catástrofe, no Índico, e o apelo ao enxovalho à senhora que circula pela Internet.
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Em primeiro lugar é um bom exemplo de mau jornalismo.
Esse depoimento não devia ter chegado ao ar.
Duvido que a pessoa tenha tido consciência do que estava a dizer e o jornalista devia ter-se apercebido disso.
Apontar uma câmara para qualquer pessoa pode dar esse resultado. A pessoa sente-se compelida a dar um resposta qualquer e debitar a coisa mais impensável do mundo. A responsabilidade não é da pessoa, é do jornalista, em último caso da estação de televisão.
Este tipo de entrevistas não faz qualquer sentido. A única coisa que dali se pode concluir é a de, além existirem cidadãos capazes de fazer, perante as câmaras de TV, declarações de mau gosto, existirão ainda, hipoteticamente, pessoas incapazes de perceber que o sofrimento alheio não deve ser usado para próprio gáudio - outra razão alternativa para que o jornalista tivesse rejeitado o depoimento.
A mesma SIC, por via de uma jornalista sua, posteriormente, em reportagem de uma das ilhas do Índico, comentou, em tom de censura, que havia turistas a alugar barcos para admirarem a zona de desastre. Logo de seguida, a mesma jornalista, visitando ilhas destruídas mostra os estragos e os corpos (supõe-se que sem autorização dos respectivos familiares para os poder exibir). Não se tratará de produção do mesmo voyeurismo que ela censurava aos turistas?
Não parece haver qualquer diferença entre censurar a dita senhora e não censurar a exibição pública, pela TV, de cadáveres, e a produção de entrevistas a pessoas em estado de choque, ainda por cima, nalguns casos, a menores.
De acordo com os critérios com que o mail inicial apela ao enxovalhamento da senhora, parece razoável enxovalhar todos os que achem normal que as situações reportadas acima sejam aceitáveis – se calhar a maioria dos portugueses (também sou).
Aliás o próprio apelo ao enxovalho da senhora é, além de incitamento a uma forma de justiça popular (punível criminalmente), mais repelente que a infeliz declaração inicial. Trata-se de um apelo a uma forma de linchamento popular e à produção de julgamento e justiça sem direito a defesa. Um apelo pidesco.