25/09/2004

Diplomacia de Fahrenheit

Excerto de uma entrevista a Loureiro dos Santos – A Capital, 24 de Setembro de 2004 – Destaque – Diplomacia e estratégia

- Viu o filme Fahrenheit 9/11?
- Vi.
- E?
- É um acto de propaganda política muito bem feito. Aliás, Michael Moore não o escondeu e disse que fez o filme para tentar que Bush não ganhasse as eleições. Mas há muita manipulação, muita distorção. A montagem que é feita com a cena em que o presidente Bush está numa sala e começam os ataques às torres gémeas é absolutamente terrível. Completamente demolidor. E depois as verdades que não são ditas. Moore apenas conta o que lhe interessa. Por exemplo, dá relevo, e isso é importante, ao facto de logo após o atentado ter sido autorizada a saída de uma série de sauditas e membros da família de Bin Laden, mas não diz que quem o autorizou foi Richard Clarke, na altura o responsável pelo combate ao terrorismo da administração Bush, que depois se desentendeu com o presidente e escreveu o livro Contra Todos os Inimigos, denunciando aspectos da administração Bush. O certo é que foi ele quem, na altura, considerou que seria possível deixá-los sair do que deixá-los ficar, com o argumento que era inevitável uma acção sobre eles. O filme está todo construído de uma forma extremamente manipuladora. Pelo que não diz, e pela forma como o diz.

16/09/2004

Autoridades Iranianas escolhem Farenheit 9/11 por convergência de interesses

Parece-me particular mau gosto quando alguém tira partido da liberdade de que dispõe para tentar fazer crer que não a tem.

Que Farenheit 9/11 é um filme de propaganda não parece merecer muita discussão. O real significado do filme para quem não goza de liberdade aparece estampado na última frase do artigo que se segue.

O Público, 16 de Setembro - Cultura
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O filme "Farenheit 9/11" estreado no Irão.

O filme de Michael Moore "Farenheit 9/11" foi ontem estreado no Irão, numa única sala de cinema de Teerão, controlada pelo Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica. O projecto de Micheal Moore contra George W. Bush, que colocou o Irão no eixo do mal, passou a censura iraniana com uma rapidez pouco habitual para uma obra estrangeira, diz a AFP. "Entre todos os filmes de grande público que as pessoas devem ver, as autoridades escolheram 'Farenheit' porque os interesses do regime islâmico coincidem com as do realizador", disse uma espectadora, Sima Gharavi, à agência. Segundo a AFP, alguns espectadores não se deixaram convencer pelo filme que divide gerações. "Muito político", "aborrecido", "manipulador", foram algumas das reacções recolhidas pela agência, que registou uma conversa de uma senhora de meia idade a tentar convencer um pequeno grupo sobre o interesse do filme. Este espectador entusiasmou-se particularmente com a liberdade com que Moore se dirige a um chefe de estado.

07/09/2004

Div-pro

Há duas semanas, fui ver um espectáculo do Vitorino à Fábrica de Pólvora em Barcarena. Por essa ocasião exercitei algumas outras dentadas em relação ao espectáculo propriamente dito.

Fiquei-me, nessa altura, por aí, por me não ter conseguido lembrar de um termo então invocado. Entretanto, o termo voltou à memória: Div-pro.

Div-pro – invocou o Vitorino no intervalo de duas músicas. 3 segundos se silêncio e suspense - isto está a precisar de Div-pro.

Mais 3 segundos e esclareceu Div-pro, divulgação e propaganda. E prosseguiu: esse barco [o dito do aborto] devia ter entrado. Entrava e depois logo se via. Estamos a precisar de Div-pro, para ver se as coisas andam para a frente.

Divulgação e propaganda. Segundo o Vitorino estamos a precisar de ambas.

Até ter ouvido a reluzente prosa, digo que, em separado, divulgação aconselha atenção crítica e propaganda remete para a mais absoluta rejeição da sinistra coisa. Ambas juntas, quando invocadas, revelam uma acrescentada sinistra falta de escrúpulos.

Ficamos a saber que, para Vitorino, divulgação e propaganda andam bem juntas …

Não parecendo, em princípio, que alguém com alguma espécie de consciência cívica defenda o uso de propaganda, penso ter lido nas estrelinhas que existe uma propaganda benigna, saudável, recomendada e recomendável. Talvez assim se torne logo que acompanhada por divulgação. Ambas devem constituir algo parecido com as manifestações pacifistas e os escudos humanos altamente divulgados há pouco mais de um ano mas que, daí para cá, e contrariamente ao que seria de esperar, desapareceram, muito embora ocasiões para se exercitarem não tenham parado de ter lugar.

Divulgação e propaganda. Deve ser algo de pacífico. Certamente mais pacífico que as obras cinematográficas da Riefenstahl que alguns partilhantes do mesmo ramo de pensamento que o Vitorino facilmente consideram de propaganda. Curioso.

A Riefenstahl sempre recusou liminarmente a classificação da sua obra como propaganda. Mais o Vitorino não tem dúvidas e vai direito ao assunto – aceitemos e exercitemos propaganda. Não se percebe, portanto, porque Riefenstahl se abespinhava tão vivamente de cada vez que alguém lhe punha o carimbo de executora de propaganda Nazi. A decalage de épocas nunca lhe terá permitido ter tomado conhecimento da doce e simbiótica nuance Div-pro?

Pena é que o Vitorino não tenha, de viva vós, exemplificado a coisa Div-pro. Aposto que ele avançaria (há que andar para a frente – com um diabo) Fahrenheit 9/11.

E ainda há quem se espante com os telúricos e gargalhantes ruídos que Salazar faz na cova. Serão barulhos Div-pro?

Tão brilhante, progressista (“para a frente”, não se esqueçam) e intelectual tirada, ajudará a perceber porque George Bush (ou outro ainda pior) se arrisca aos próximos 4 anos de Casa Branca? Se tal vier a acontecer, as suas gargalhadas vão certamente ouvir-se mais que as de Salazar.

Será que o Vitorino também defenderá alguma espécie de variante benigna para a defesa do uso de amas nucleares? Ou talvez a esquerda deva procurar explicações para o rumo que o mundo tem levado e que invoca de tenebroso no seu (dela) aparentemente intrínseco niilismo. A não ser que, no caso da esquerda, se trate de niilismo benigno, saudável, recomendado e recomendável, a ser aos quatro cantos do mundo levado, como boa nova, num voador tapete Div-pro.

Com amigos destes …

Vitorino. Continue a fazer o que faz bem. Componha e cante. Quando fala sem cantar …

02/09/2004

Tiro de couraçado - barco do aborto ao fundo

Cá pelo burgo, suspeito que a oposição nem saberá aproveitar o disparate do Paulo Portas de colocar uma corveta ao largo da Figueira a tomar conta de um minúsculo barquinho. Nem se lembraram ainda de lhe perguntar quanto custará e se não teria nada mais maneirinho.

Até podiam perguntar: e se fossem 20 barquinhos, pediria ajuda à Nato?

01/09/2004

O impossível equilíbrio pacifista

Os ataque terrorista (ou como lhe quiseres chamar) à escola, na Ossétia Norte, veio pôr novamente os pacifistas, especialmente os franceses, em palpos de aranha.

Protestaram violentamente contra Bush por causa do ataque ao Iraque. Não se manifestam, nem por sombras pela mesma medida, contra a execução de reféns, nomeadamente franceses.

Compreende-se porquê - aos executores é indiferente que haja ou não manifestações. A ser assim, significa que não é a questão de princípio que lhes interessa, mas a de poderem, ou não, ‘chatear’ norte-americanos - a única coisa que sabem fazer.

A equação torna-se impossível quando eles protestam contra aqueles para quem o protesto faz algum tipo de moça mas não protestarem contra quem o protestado Bush ataca, mesmo quanto os “agredidos” executam pessoas (claramente civis, de qualquer nacionalidade, por mais proletas que sejam – caso dos nepaleses). A questão da quantidade é suplantada pela qualidade, tanto mais que a quantidade de reféns apanhados só não é superior porque não conseguem.

Onde anda Zapatero? Neste momento deve estar a procurar maneira de encarar os franceses nos olhos. Esta ameaça de execução é perpetrada por aqueles a quem Zapatero cedeu. A Espanha vai desaparecer da cena internacional por muito tempo.

A posição imperial dos norte-americanos vai-se fortalecendo com estas europeias e caricatas cenas. Velha Europa - obsoleta Europa.

E onde anda o pacifismo trans-fronteiriço? Onde estão os movimentos pacifistas internacionais? Não seria suposto aparecerem em apoio dos reféns? Onde estão os muitíssimo badalados milhões de pacifistas ingleses? Não protestam contra a execução dos jornalistas franceses? Ou será que já não o podem fazer porque o não fizeram antes de norte-americanos serem executados?

Na minha opinião os movimentos pacifistas e a esquerda moderna só existem num eixo - contra os norte-americanos. Não têm posição a favor ou contra mais nada, nem lhes interessa, de facto, o que se passa. Havendo norte-americanos no planeta é tudo o que querem saber – bota abaixo.

Entretanto os norte-americanos estão retirando da Europa, deixando-a "sozinha", coisa que, embora possa parecer surpreender e preocupar os pacifistas dirigentes europeus por perceberem que vão ter que os substituir (ouvem-se as gargalhadas de Donald Rumsfeld), não surpreende, de facto, porque eles sabem que os Estados Unidos estão, simplesmente, a fazer o que tem que ser feito, e a fazer, com pouca, ajuda aquilo em que toda Europa os devia ajudar. A ama-seca já não toma conta dos catraios e a criançada já está tentando tapar o buraco declarando que o dispositivo de segurança da Europa tem que avançar (teoricamente). Os americanos podem comportar-se como potência imperial, mas estão fartos de cachopada.