07/09/2004

Div-pro

Há duas semanas, fui ver um espectáculo do Vitorino à Fábrica de Pólvora em Barcarena. Por essa ocasião exercitei algumas outras dentadas em relação ao espectáculo propriamente dito.

Fiquei-me, nessa altura, por aí, por me não ter conseguido lembrar de um termo então invocado. Entretanto, o termo voltou à memória: Div-pro.

Div-pro – invocou o Vitorino no intervalo de duas músicas. 3 segundos se silêncio e suspense - isto está a precisar de Div-pro.

Mais 3 segundos e esclareceu Div-pro, divulgação e propaganda. E prosseguiu: esse barco [o dito do aborto] devia ter entrado. Entrava e depois logo se via. Estamos a precisar de Div-pro, para ver se as coisas andam para a frente.

Divulgação e propaganda. Segundo o Vitorino estamos a precisar de ambas.

Até ter ouvido a reluzente prosa, digo que, em separado, divulgação aconselha atenção crítica e propaganda remete para a mais absoluta rejeição da sinistra coisa. Ambas juntas, quando invocadas, revelam uma acrescentada sinistra falta de escrúpulos.

Ficamos a saber que, para Vitorino, divulgação e propaganda andam bem juntas …

Não parecendo, em princípio, que alguém com alguma espécie de consciência cívica defenda o uso de propaganda, penso ter lido nas estrelinhas que existe uma propaganda benigna, saudável, recomendada e recomendável. Talvez assim se torne logo que acompanhada por divulgação. Ambas devem constituir algo parecido com as manifestações pacifistas e os escudos humanos altamente divulgados há pouco mais de um ano mas que, daí para cá, e contrariamente ao que seria de esperar, desapareceram, muito embora ocasiões para se exercitarem não tenham parado de ter lugar.

Divulgação e propaganda. Deve ser algo de pacífico. Certamente mais pacífico que as obras cinematográficas da Riefenstahl que alguns partilhantes do mesmo ramo de pensamento que o Vitorino facilmente consideram de propaganda. Curioso.

A Riefenstahl sempre recusou liminarmente a classificação da sua obra como propaganda. Mais o Vitorino não tem dúvidas e vai direito ao assunto – aceitemos e exercitemos propaganda. Não se percebe, portanto, porque Riefenstahl se abespinhava tão vivamente de cada vez que alguém lhe punha o carimbo de executora de propaganda Nazi. A decalage de épocas nunca lhe terá permitido ter tomado conhecimento da doce e simbiótica nuance Div-pro?

Pena é que o Vitorino não tenha, de viva vós, exemplificado a coisa Div-pro. Aposto que ele avançaria (há que andar para a frente – com um diabo) Fahrenheit 9/11.

E ainda há quem se espante com os telúricos e gargalhantes ruídos que Salazar faz na cova. Serão barulhos Div-pro?

Tão brilhante, progressista (“para a frente”, não se esqueçam) e intelectual tirada, ajudará a perceber porque George Bush (ou outro ainda pior) se arrisca aos próximos 4 anos de Casa Branca? Se tal vier a acontecer, as suas gargalhadas vão certamente ouvir-se mais que as de Salazar.

Será que o Vitorino também defenderá alguma espécie de variante benigna para a defesa do uso de amas nucleares? Ou talvez a esquerda deva procurar explicações para o rumo que o mundo tem levado e que invoca de tenebroso no seu (dela) aparentemente intrínseco niilismo. A não ser que, no caso da esquerda, se trate de niilismo benigno, saudável, recomendado e recomendável, a ser aos quatro cantos do mundo levado, como boa nova, num voador tapete Div-pro.

Com amigos destes …

Vitorino. Continue a fazer o que faz bem. Componha e cante. Quando fala sem cantar …