Um deputado inglês quis falar normalmente, cara a cara. Abriu mais uma polémica com os do costume.
Jack Straw foi ministro do Interior de Tony Blair e é deputado por Blackburn, uma cidade do noroeste de Inglaterra com quase um terço de população muçulmana. Straw, como é hábito nos deputados britânicos, recebe regularmente os seus eleitores numa espécie de consultório de cidadania. Ouve as queixas, dá sugestões.
Esta semana, ele escreveu um texto no jornal local ‘Lancashire Telegraph’ sobre uma das coisas que lhe sucedem no consultório. Tudo começou, conta ele, quando uma mulher muçulmana, acompanhada do marido, lhe disse: “Tenho muito prazer em falar consigo face a face.” A frase ficou a roer-lhe lá dentro por causa da carga irónica. A mulher usava o ‘nicab’, o mais rigoroso dos lenços islâmicos. Não só todo o corpo estava coberto, como os cabelos, o pescoço e a cara – com a excepção de um fio fino que deixava adivinhar os olhos –, tudo era pano. Um face a face demasiado relativo, pois.
Então, de cada vez que passou a receber outra mulher de ‘nicab’, Jack Straw armava-se de uma prudência e de uma ousadia. A prudência era pedir a uma colega do gabinete do seu partido para assistir à conversa. A ousadia era pedir à eleitora para tirar o muro, a fronteira, o lenço que estava entre eles, para poderem falar face a face. Mas nunca pedia sem antes sublinhar que se ela quisesse ficar com o lenço, assim seria.
Straw servia-se de uma imagem para justificar o seu pedido. Ele estava ali no seu gabinete, ela tinha ido ter com ele, para uma conversa pessoal, directa, frente-a-frente. Numa conversa não só as palavras dizem, mas a boca, o sorriso ou a angústia que marca a cara, os olhos que brilham ou não. Enfim, para falar só com palavras, tinha-se inventado o telefone. Para conversar, essa invenção era muito mais antiga, acontecera quando dois seres humanos confiaram um no outro. “Numa conversa pode ver-se o que outro quer dizer e não só ouvir o que diz”, palavras de Straw, no artigo do ‘Lancashire Telegraph’.
Desde há um ano, o deputado fez sempre esse pedido e de todas as vezes nenhuma muçulmana – nenhuma! – recusou. Por isso ele decidiu dar outro passo, o artigo no jornal. Uma opinião calma a pedir um debate sobre um assunto, o ‘nicab’, que Straw considera “uma declaração visível de separação e de diferença”. Não são os políticos para isso, para discutir com a intenção de resolver, os problemas públicos?
Pois saiu mais uma polémica para a mesa do canto onde estão os mesmos de sempre. Se ele não são os desenhos de Maomé é o discurso do Papa, agora é Jack Straw: “As mulheres têm o direito de usar o lenço e estas afirmações [de Straw] constituem um novo exemplo de insulto aos muçulmanos”, disse Reefat Bravu, do Conselho Britânico Muçulmano. Insulto? É estranho que esse insulto tenha sido tornado público pelo próprio ‘insultador’ e as ‘insultadas’ – no entanto, tão ciosas de mostrar os seus direitos – nunca tenham dito nada.
Isso não impediu que alguns colegas de partido de Jack Straw se tivessem distanciado da sua corajosa posição. Estes, politicamente correctos, são adeptos da delicadinha maneira de tratar os muçulmanos: ‘Não digam nada sobre o Islão! Eles zangam-se...’ Como se isso não fosse o maior do insultos.
Ferreira Fernandes, Jornalista
09/10/2006
Mais uma polémica com os do costume
No Correio da Manhã, Via O Insurgente.