06/10/2007

As moscas



Estimulado por este artigo no Rato de Biblioteca e respectiva troca de comentários, aqui vai.

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Pensava eu que era claro a quem está ligado ao assunto que o desenvolvimento da criança está directamente relacionado com a estimulação a que ela é sujeita.

O raciocínio só pode ser desenvolvido de se raciocinar. O cálculo mental só pode ser estimulado de se tentar calcular mentalmente, etc.

Um dia destes vi um documentário onde isto era bem claro.

Determinada criança tinha, desde tenra idade, uma catarata numa das vistas. Nada havia de errado com o sistema nervoso relacionado com aquele lado da visão. O que o olho captava era difuso e a imagem enviada ao cérebro não o estimulava por ser incompreensível. O cérebro, paulatinamente, começou a desviar todos os recursos para a outra vista desligando as ligações neuronais (ou tornando-as inactivas).

Os médicos explicaram que era extremamente importante recuperar a visão da vista afectada e, para o efeito, removeram a catarata, explicando ainda que seria naquela altura ou nunca mais. Mesmo assim, adiantaram, nunca o sistema nervoso relacionado com a visão da criança seria igual ao de uma criança normal.

Segundo explicaram, nestes casos, mesmo que posteriormente a catarata viesse a ser removida essa vista seria, pelo cérebro, usada de forma irrelevante.

Executaram a cirurgia mas não ficaram por aí. Taparam o olho que se estava a desenvolver bem de forma a obrigar o cérebro a desenvolver também as ligações neuronais do olho então operado. A criança teria que andar com o olho saudável tapado cerca de 1 ano.

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Dito isto, espanta-me que haja dúvidas em relação ao uso de calculadoras por crianças.

Quando uma criança usa uma calculadora não está a fazer mais que a pedir ao aparelho que calcule por meio de dispositivos electrónicos binários aquilo que a criança supostamente deveria ser capaz de fazer mentalmente.

Em boa verdade, as crianças, no 1º ciclo, poderiam também usar software para leitura de voz (voz -> escrita - já existe que permite que se dite um texto) ou software de leitura por voz (escrita -> voz). Porque não?

E plotters com caneta? Já existem há dezenas de anos. Caíram em desuso, aliás. Porque não evitar que a criança passe por esta “tortura”, ligando a plotter de canetas ao software de leitura de voz (voz -> escrita). O sucesso escolar estaria garantido.

Tudo isto pode ser feito em prole da “felicidade” da criança.

O que já há muitos anos é sabido, é que criança criada como um cão se porta irreversivelmente como canino. Criança criada como um computador, vai portar-se como quê?

O passo seguinte consistirá em fazer tudo isto sem crianças.

Enfim, a felicidade suprema acessível no livro de Stanislaw Lem “A Nave Invencível” (título português).

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[Actualização]

Transcrevo, de seguida, a totalidade de um comentário de Joaquim Simões a um outro comentário de Alf (blog Portugal e Outras Touradas).
A aprendizagem das palavras não é da mesma natureza da dos números. A capacidade de operar com os números exige uma abstracão (básica) dupla.

Há uns quantos que o conseguem fazer desde muito cedo, da mesma forma que houve Pascal, Mozart ou Carlos Seixas. Uma coisa que é da experiência comum dos professores de filosofia é que, dos alunos que entram no 10º ano com 14 anos, raros são os que conseguem encontrar interesse na matéria e desistem, criando resistências e arrastando-a pelo ano seguinte.

Não se trata de dificuldade de compreensão, mas do próprio questionamento, que não lhes passa sequer pela cabeça, quanto mais interessar-lhes! Numa palavra: esses alunos são ainda incapazes, aos 14 anos, de encontrarem qualquer sentido de questionamento (repare que eu não disse no, mas de questionamento). Os alunos de 15 anos (dando razão a Rousseau e a Piaget quanto às fases de desenvolvimento cognitivo) já o conseguem fazer com mais ou menos dificuldade. Mas nem sequer os companheiros conseguem despertar os mais novos, que acham aquilo tudo (repito: o questionamento) incompreensível ou disparatado. Aos 15, são incapazes de perceber os temas do 11º. Não se trata unicamente de educação, mas de fases que não se pode saltar e, numa enorme medida, das características individuais. Tenho em minha casa, onde os níveis de questionamento foram mantidos, embora com uma tipologia diversificada (o chamado "ensino individualizado"), um bom exemplo disso e que me fez rever uma boa quantidade de coisas na minha forma de ver o problema. E aprendi muito, embora nem sempre de uma forma muito agradável.

A pluralidade dos seres é muito engraçada. Mas porque é que tem que haver (a pergunta não é: "porque é que há?") pluralidade? Essa é que é a pargunta, do mesmo modo que o fundamental não é apenas o "como se formam as ideias e de onde vêm elas", mas, sobretudo, "o que é conhecer?".
Bom, mas isso fica para a próxima.
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