24/05/2005

Universidades todas iguais, todas más



Escreve José A. Ferreira Machado no DN de 23 de Maio de 2005:
Poucas instituições têm sido tão devastadas pela demagogia igualitária como as de ensino superior. "Gestão democrática", "excelência para todos" ou "acesso generalizado ao mestrado" são bandeiras sempre desfraldadas em qualquer discussão sobre os problemas do ensino superior.

A demagogia igualitária assenta em três pressupostos o de que os estudantes são todos iguais; o de que os professores são todos iguais; e o de que as instituições são todas iguais. Sendo os estudantes todos iguais, há que assegurar que todos se licenciam, concluem mestrados e, porque não, doutoramentos, independentemente de aptidões ou preferências. Como os professores são todos iguais, devem ser promovidos por antiguidade e auferir idênticas remunerações, independentemente da qualidade pedagógica ou científica e da área de conhecimento. Sendo as instituições iguais ou, não o sendo ainda, tendo igual potencial para o vir a ser, devem ser todas financiadas pela mesma bitola, independentemente da qualidade, procura dos seus serviços ou adequação dos cursos que oferecem.

Assim se perdem os melhores professores e investigadores para o estrangeiro ou para as empresas, se penalizam as melhores escolas, se debilitam as mais expostas à concorrência internacional e, enfim, se impedem os melhores estudantes de acederem a um genuíno ensino de qualidade e ajustado às necessidades da economia. Em síntese, assim perde Portugal as suas elites.

2. Vêm estas reflexões a propósito de recentes declarações do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior sobre o financiamento do 2.º ciclo do ensino superior (mestrados), que surgirá com a implementação do acordo de Bolonha. Aparentemente, as propinas dos novos mestrados não serão definidas livremente pelas instituições (como acontece com os já existentes) mas, antes, fixadas centralmente pelo ministério em montantes sensivelmente idênticos aos das actuais propinas das licenciaturas. A ideia declarada é, através de um controlo de preços a um nível baixo, generalizar a frequência dos mestrados, abrindo-os a novos públicos, nomeadamente aos estudantes-trabalhadores adultos que se desejem qualificar.

Este modo de conceber o ensino superior constitui a manifestação mais recente da ideologia igualitária. Conduzirá ao desperdício da oportunidade aberta pelo processo de Bolonha de acentuar a diversidade no ensino, de criar algumas (necessariamente poucas) instituições de nível internacional e de adaptar o sistema de ensino às reais necessidades do País. No processo, transformará todo o ensino superior num gigantesco sistema de formação profissional.

O culto da massificação patenteado é um bom exemplo da abordagem "se uma aspirina faz bem, cinco fazem melhor" como qualquer país precisa de licenciados, mestres e doutores, então quantos mais existirem melhor. Mas, na realidade, não existe qualquer relação de causa-efeito comprovada entre o número de mestres (ou, mesmo, despesa com o ensino superior) e uma maior produtividade ou riqueza. Os gastos relativos de Portugal com o ensino superior são da ordem de grandeza dos da Alemanha, Reino Unido ou Japão, que, obviamente, apresentam superiores níveis de prosperidade.

3. Qual deve ser o papel do ensino superior? Antes de tudo, preparar os estudantes para a vida profissional. Não no sentido estreito de um programa de formação mas antes ensiná-los a explorar e a adaptarem-se. Deve identificar talentos e dar-lhes uma formação simultaneamente teórica e aplicada que responda às necessidades da economia.

É por possibilitar o correcto ajustamento entre as necessidades da economia (e oportunidades de emprego), as escolhas dos estudantes e a oferta de cursos pelas escolas, que a questão das propinas é fulcral.

As instituições de ensino superior devem poder fixar livremente as propinas de todos os cursos que oferecem (quer licenciatura quer mestrado). Para garantir um acesso independente do rendimento familiar, o Estado deve promover a criação de uma sistema de empréstimos aos estudantes, que começarão a ser pagos uma vez concluídos os estudos. A obrigação de reembolso do empréstimo levará a uma maior aplicação nos estudos (e à edução do insucesso escolar) mas, acima de tudo, reduzirá os incentivos à escolha de especialidades que conduzam ao desemprego. Os estudantes serão, muito naturalmente, levados a procurar, e as escolas a oferecer, as especialidades mais ajustadas às necessidades da economia.

Um sistema que descentralize o financiamento e a decisão criará ainda incentivos para que as instituições se especializem em diferentes nichos de tipo qualidade-preço dos serviços que oferecem. Por exemplo, alguma instituições poderão escolher oferecer um ensino profissionalizante, de massas e a baixo preço, enquanto outras poderão escolher ser uma boutique, oferecendo um ensino generalista, caro e para pequenos números.

4. Pretender aplicar regras idênticas e centralmente definidas conduz a um ensino nacionalizado e uniforme. Tal será prestar um mau serviço aos estudantes e ao País. Tendo as instituições, tal como os estudantes, ambições e capacidades distintas, o nivelamento só pode acontecer na mediocridade.

É tempo de recuperar a máxima maoísta "que mil escolas floresçam e que mil flores desabrochem". Para o conseguir, e aqui o velho Mao Tsé-Tung dará uma volta no túmulo, basta deixar que, também no ensino superior, o sistema de preços funcione.
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