07/11/2005

O furúnculo está a rebentar



Já há muito que eu (pobre de mim), como muitas outras pessoas, denunciamos a ficção em que alguns países da Europa insistem em viver. Digo países da Europa e não governos, porque estou em crer que a coisa é muito mais grave do que parece.

Há muitos anos (uns 30?) alguém me chamou a atenção de que na Alemanha pós nazi, as forças aliadas tinham obrigado cidadãos alemães a visitar campos de concentração e a ver (de vivo olho) as atrocidades cometidas. Segundo o que me foi relatado, muitos compulsados visitantes, perante o que viam, reagiam rindo às gargalhadas.

Suponho que a tomada de poder pelos nazis não seja, por si só, suficiente para explicar o caminho de atrocidades, e que o medo projectado sobre a generalidade da população alemã pela cataclísmica organização não seja também suficiente para explicar a falta de oposição ao estado de coisas que acabou nas câmaras de gás. Suponho que tenha havido um apoio tácito ao caminho então tomado, senão da generalidade da população, pelo menos de uma percentagem significativa dela.

É certo que os tempos foram passando e que hoje de pouco serve esgravatar a ferida, tanto mais que a generalidade dos alemães de hoje nasceram no pós guerra. Mas é perigoso esquecer a possibilidade do holocausto não ser meramente resultante de um exercício de poder levado a cabo por um grupo de facínoras. Aproveitemos para relembrar o caso da Jugoslávia.

Suponho que a França está a braços com uma circunstância idêntica. Não se trata de uma semelhança de métodos implantados no terreno, mas de uma semelhança no que respeita ao alinhamento em logros. Suponho ainda que não seja só em França, mas suponho ser lá que a coisa mais se faz notar.

Um dos logros consiste em supor-se que tudo o que tenha uma explicação (que pareça razoável) cujas consequências incidam sobre um grupo denominado “vítima” e cujas causas sejam imputáveis a uma determinada “situação”, isentem o vítima de toda a responsabilidade.

Outro logro consiste em meter no mesmo saco integração e direito à diferença. Suponho que uma implica inexoravelmente o fim da outra. Se a diferença é pequena, a integração pode manter-se em suspenso, mas não me parece que seja possível equilibrar, ombro a ombro, posicionamentos muito diferentes, face à vida (e à morte).

Em relação ao segundo logro, suponho que um país se aguenta quando comporta uma enorme quantidade de pouca diversidade ou uma pequena quantidade de muita diversidade, mas não uma enorme quantidade de muita diversidade.

Sei que a Índia é um exemplo do contrário do que afirmo, mas também sei que a Índia é uma realidade muito antiga, que já passou por aquilo que a Europa parece querer evitar. Sei também que os Estados Unidos da América são um exemplo de uma enorme diversidade. Mas a sociedade é tão entrecortada que é essa diversidade que faz a sua homogeneidade. Apesar disso já teve as suas indigestões.

Em relação ao primeiro logro, ele não é mais que o resultado da percepção, mais ou menos inconsciente, de que se está perante uma bomba relógio, e que se pensa ser possível evitar o rebentamento simplesmente deixando passar o tempo.

Que o furúnculo rebentou, já se percebeu. Vejamos se pretendem fechá-lo debelando o núcleo, ou se se contentam em colocar-lhe um penso por cima. Há sinais de que é a segunda hipótese.

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