Já com a fervura assente em França (com a promessa de que o cheiro a esturro vai continuar), vai assentando a ideia de que o projecto de multiculturalidade em França tem que receber novo impulso. E eu continuo a dizer que continua a política de avestruz.
Voltamos à velha história de sempre se fugir ao problema de se discutir até que ponto conseguem duas culturas, extremamente diferentes, coexistir porta a porta.
No seu blogue Abrupto, Pacheco Pereira escreve sobre o programa Diga Lá Excelência, com Rui Marques:
Gostava de saber que casal ocidental era capaz de aguentar um almoço com outro casal em que a respectiva mulher tivesse de ficar na mesa ao lado para não haver misturas.Tenham medo, tenham muito medo da série de ideias ultra-politicamente correctas do pomposamente chamado Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas (eu a pensar que num mundo "multicultural" não havia "minorias étnicas"), expostas no estilo da Raposinha do Aquilino, "com muita treta", no Programa "Diga lá Excelência" e reproduzidas no Público de hoje. Aqui vai uma pobre amostra do discurso cheio de certezas do Alto-Comissário:
Só nós:
"A Europa está a viver um tempo triste em que se está a fechar numa concha, erguendo muros e barreiras à sua volta. A opinião pública espanhola ra das poucas que se mantinham abertas, agora restamos praticamente só nós, os portugueses."
Onde estão "talheres" coloquem coisas como o estado de direito, a democracia, valores civilizacionais como a igualdade das mulheres e dos homens, repúdio da violência "cultural" (excisão do clitoris, etc.):
"Quando eu convido alguém para almoçar comigo não é normal que eu exija que todos comam com talheres?
Não é obrigatório. Eu acho possível sentar à mesma mesa pessoas com registos culturais, históricos e eligiosos completamente diferentes.
Com pratos diferentes, instrumentos diferentes?
Exactamente. Em contexto global, é isso mesmo que temos que fazer. O grande perigo que corremos é querer que toda a humanidade se sente à nossa mesa comendo com os nossos talheres e com a nossa culinária."
Preconceitos:
"Vamos então a um caso concreto. Defende escolas só para algumas comunidades imigrantes, com currículos especiais?
Não, a interculturalidade não é isso. Isso são versões suaves de multiculturalismo, versões de segregação, de separação de diferentes comunidades.
Mas parece que a escola portuguesa não interessa muito aos filhos dos imigrantes...
É um preconceito.
O insucesso escolar nestas comunidades é um preconceito?
Mas o insucesso escolar não tem que ver com o interesse na escola portuguesa. Temos
todos a ganhar com a aceitação da diversidade. De ver a realidade a partir do ponto de vista do outro."
As certezas enfatuadas e o tom dogmático eram tão evidentes que até os jornalistas habitualmente calmos estavam irritados.----
E, neste caso, quem seriam os intolerantes? Os ocidentais, se não aguentassem a cena, ou os “alternativos” que não quereriam misturas?
E ainda, como “integrar”, sem que uma das partes abdique de algo que julgue absolutamente fundamental? Quem defende que, no cenário acima, a mulher ocidental vá para a mesa da mulher “alternativa” como sinal de respeito pela outra cultura?
Como ficamos neste cenário em que uma cultura “alternativa” não quer mistura de sexos? Criamos escolas “alternativas” em que rapazes e raparigas ficam separados? E isto não é exclusão? Criamos turmas “alternativas” em que rapazes e raparigas ficam separados? E isto não é exclusão?
Que direito tem um estado, pelo ponto de vista dos “multiculturalistas”, de obrigar que turmas sejam compostas por jovens de ambos os sexos?
Como se dá trabalho a pessoas que por terem uma cultura “alternativa” não se querem relacionar de igual para igual com pessoas do sexo oposto?
E, caso os seguidores dessa cultura “alternativa” cedam e comecem a comportarem-se como ocidentais, isso não implica um abandono da sua cultura “alternativa”?
Continuemos, pois a aderir aos pontos de vista do Alto-Comissário, e veremos se dentro em pouco não estoira a bronca em Portugal.
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