26/04/2005

Timor e a separação de poderes



A notícia referia que estavam a decorrer manifestações em frente à cede do governo timorense por causa de uma decisão deste no sentido de tornar facultativas as aulas de religião e moral.

“Já?”, pensei de imediato. Sendo razoável que isso pudesse vir a acontecer, surpreendeu-me que a sociedade timorense estivesse já preparada para essa medida. Supus que a manifestação fosse uma coisa incipiente porque me pareceu que a Igreja Católica timorense não tivesse dificuldade em convencer o seu rebanho a assistir às aulas. Não percebi então, e continuo ma mesma, se a possibilidade em não assistir às aulas era facultativa por opção da família, tornando implícita a sua obrigatoriedade se ela assim decidisse – caso os encarregados de educação decidissem que os jovens fossem às aulas de religião e moral então a sua presença fosse implicitamente obrigatória, ou ser-lhes-ia marcada falta – ou se os alunos poderiam optar por sua livre iniciativa (o que me parece excessivo sendo crianças).

Não esperava a reacção da Igreja Católica timorense, na pessoa de Ximenes Belo. Estava notoriamente irritado com a medida, o que me fez perceber que a segurança deste na devoção do seu rebanho não seria tanta quanto eu supunha inicialmente. Se o nível de devoção fosse alto, talvez bastasse sugerir que as famílias devessem instruir os educandos a ir às aulas para que a medida ficasse vazia de conteúdo.

Salvo novos desenvolvimentos, tudo parece indicar que o governo timorense esteja a tentar separar as águas e que a Igreja Católica esteja a reagir tentando não perder a influência que parece deter directamente dentro do estado timorense.

O conflito parece estar a trepar – a igreja timorense pede o afastamento do primeiro ministro … o que me parece ilegítimo porque me pareceria também ilegítimo que o governo timorense exigisse, fosse qual fosse a razão, o afastamento do bispo Ximenes. São ambos poderes legítimos, mas de tipos distintos. Os respectivos campos não se devem entre-cruzar.

Esta última declaração parece ainda justificar a medida governamental, porque parecendo tornar claro um défice de homogeneidade no comportamento religioso dos timorenses, legitima duplamente a medida tomada.



Em relação aos reflexos internos, é curioso lembrar três coisas:
1 – a reacção da esquerda em defesa da relação de poderes entre religião e estado no Iraque, em que se percebe que àquela esquerda parece razoável que, no Iraque, não haja (nem venha a haver) separação de poderes,

2 – a recente reacção da mesma esquerda a uma homilia de propaganda eleitoral reclamando que a separação de poderes existente (que a mesma esquerda vê, para consumo próprio, como um direito fundamental) torna essa uma atitude inadmissível

3 – a ausência de reacção da mesma esquerda aos acontecimentos em Timor.
O segundo caso é contraditório em relação ao primeiro, o terceiro em relação ao segundo.

Poder-se-ia dizer que, no segundo caso se tratava de um problema interno (de Portugal) e no terceiro um problema externo. Mas o primeiro também era externo.

Freitas do Amaral manifesta-se preocupado com o sucedido em Timor. A sua expressão faz transparecer essa inquietação, mas não a consubstancia. Sendo razoável que seja parco em comentário, pelo menos por enquanto, vejamos se assim continua caso as coisas se compliquem. Nessa altura veremos se terá presentes os disparates que verteu sobre a administração Bush ou as contradições da esquerda kitsch.