19/06/2005

Ana Gomes - Europa a menos: o remédio é mais Europa



Este irado desabafo de Ana Gomes é um exemplo daquilo que suponho fundamentar o NÃO ao tratado.

O título é sugestivo: “Europa a menos: o remédio é mais Europa”. Resolver o problema com a técnica do salto em frente. Está a morrer? Dá-lhe mais.

A azul, a excitação original.
Mais uma vez, constato que são os optimistas como eu que levam com baldes de água fria... Andei por França, nos debates pelo OUI de 23 a 26 deste mês. E quis convencer-me que a inteligência, o bom-senso, o pragmatismo, o europeismo, o sentido da História dos franceses acabariam por vencer.

Enganei-me: levaram a melhor a vingança primária, o soberanismo barato, a xenofobia e o medo, instilados pela propaganda demagógica e populista de uma sórdida aliança entre a extrema-direita anti-europeista de Le Pen/de Villiers e de dirigentes que se dizem de esquerda e «pró-europeus».
Pois é por causa dos optimismos que as coisas rebentam com uma frequência preocupante. Optimismo, ao estilo Ana Gomes, significa fazer de conta que os problemas não existem, que uma fé baseada sabe-se-lá-em-quê garantirá o sucesso da coisa. Optimismo ao estilo Ana Gomes, significa simplesmente ficar ao alcance do coice, que aliás se deu, alto e bom som.

A Ana Gomes andou por França, supõe-se que a espalhar optimismo. Pois claro.

Vejamos, em pormenor, do que ela se convenceu e andou por lá andou a “debater”:
- Inteligência - todos os que votassem não, eram estúpidos
- Bom senso - todos os que votassem não, eram irresponsáveis
- Pragmatismo - dir-se-ia, coisa de Bush. Supunha que a Ana Gomes daria mais atenção à moral que ao pragmatismo (se calhar já encetou o caminho de conversão)
- Europeismo - percebe-se que os europeus que votassem não, eram não-europeus. Talvez Ana Gomes esteja a pensar utilizar as “técnicas” de Mao Tse-tung, mandando-os fuzilar.
- Sentido da História - dir-se-ia que a votação apontou o sentido para onde a História terá que apontar: história nada tem a ver com o que vai na cabeça de Ana Gomes.

Vejamos o que ela pensa do resultado:
- Vingança primária - os franceses quiseram vingar-se, primariamente, de alguém – não se percebe de quem – talvez de George Bush.
- Soberanismo barato - muito embora o mais provável é que qualquer deles se trate, simplesmente, de um conceito gambuzino, o soberanismo caro, sofisticado, é aquele que Ana Gomes defende.
- Xenofobia - aquilo em que os europeus, mesmo nos seus mais multilateralistas unilateralismos não se distinguem dos outros povos, incluindo o Norte Americano. Ana Gomes parece ter agora descoberto isso (se calhar é pedir muito).
- Medo - papão.

Depois, Ana Gomes fala em propaganda demagógica (agitprop?), populista, sórdidas alianças, etc, etc, coisas que já não me apetece comentar porque estou a ficar enjoado. De qualquer forma, se o SIM tivesse ganho, seria pelas razões contrárias às que ela invoca.
A maioria dos franceses não conseguiu ver a floresta, encalhou na árvore - seja ela a raiva a Chirac e o seu rafareiro governo (por quem essa mesma maioria antes havia votado e por isso agora paga a factura, como a gente está a pagar pelo que o Barroso nos deixou em herança...); ou o emprego perdido ou em risco de ser levado pelas vagas das deslocalizações selvagens.
A derrota tem destas coisas, às vezes bate-se com os chifres onde não se quer. Raiva a Chirac (como é possível, um insigne multilateralista?), ao seu rafareiro governo (como os trocadalhos de Ana Gomes são viris!) e pelo emprego perdido à custa das deslocalizações selvagens (não foram selvagens quando se deslocalizaram para França deixando no desemprego os trabalhadores dos locais de onde nessa altura saíram, ou para onde nunca chegaram a ir).
Só que, tragicamente, com o NON, os franceses nem varrem Chirac, nem amainam a ondulação alterosa da globalização. Nos próximos anos, espera-os mais do mesmo... ou pior...
Os franceses são o eixo do mal.

Veja-se que passa pela cabeça de Ana Gomes que a suprema missão da Europa no sistema Solar é a de amainar a globalização. Como se a globalização não fosse um processo de cariz caótico, sem centros de decisão, e da qual o país mais populoso do planeta, a China, manobra magistralmente.

A estas pertenças intenções bonançosas, os chineses não têm perdido mais do que o tempo suficiente para dizer “Up yours”.
Com um SIM à Constituição, seguir-se-ia derrotar a direita em 2007 e mandatar quem ganhasse para trabalhar por uma Europa mais integrada, mais forte e mais eficaz a contribuir para regular a globalização.
IoooooI. Isto parece um discurso do Averel (Lucky Luke) ou do Obelix (talvez mais este último, porque o outro é bushista).

Regular a globalização … e ela a dar-lhe. Se os franceses tiverem dois dedos de testa (o que parece confirmar-se) perceberão que Ana Gomes os alicia para a cura do cancro através de extracto de sumo de teia-de-aranha.
Era uma avenida que se lhes abria - poderia percorrer-se com os vagares e labores necessários para arranjar os canteiros e até retemperar numa esplanada.... Com um NÃO - ficam com um beco em Nice... e provavelmente ver-se-ão obrigados a reduzir a horta lá instalada (pois poderá lá perder-se a oportunidade de dar a machadada que há muito se impunha na iníqua PAC?).
Aqui entramos no discurso ao sabor de Sharon … terra prometida, paraíso … A referência a “beco” deve ter a ver com a Faixa de Gaza.
Levei o murro do resultado há uma hora e meia, acabada de aterrar em Bruxelas de uma Assembleia Parlamentar da NATO em Liubliana, onde integrei a delegação do PE. Durante os últimos dois dias, inúmeras foram as referências «esperançosas» nos resultados do referendo em França que ouvi a «atlanticistas» de diferentes matizes e níveis de sofisticação.
Pois claro. Ana Gomes e o seu clube de iluminados, Com aqueles que acham que o mundo está em suspenso até que a Europa se lhe apresente, com a constituição aprovada, debaixo do braço, para lhe dizer como finalmente se vai domesticar a globalização. Já agora, se Ana Gomes quer saber como consegue um país relativamente pequeno enfrentar a globalização e dela tirar partido, sem constituição europeia e não pertencendo ao clube dos iluminados, pergunte a Tatcher e Blair. Eles explicam.
Escrevo a quente e provavelmente não devia. Mas, confesso, o que mais me enoja é a rapaziada fabiusista, que seguiu carneiramente o chefe esfomeado de projecção presidenciável e para isso violou as mais elementares regras do jogo democrático, ao ir contra o resultado do referendo interno do PSF. Alguns deles/delas, meus colegas no Grupo socialista no PE, que até votaram a favor da Constituição na Convenção! Qual será a cara dessa gente, quando os/as encontrar depois de amanhã em Tallin, onde o Grupo vai reunir ? É que eles sabem bem que o resultado para que contribuiram arreganha sorrisos escarninhos em Washington e Pequim e suspiros de alivio e desforço em Londres.
Será que nem assim Ana Gomes percebe que os europeus se estão absolutamente nas tintas para a Europa? Que esta coisa de “europeus” não passa da forma de designar os mânfios que habitam a zona geográfica a que se chama Europa? Será que Ana Gomes não percebe que qualquer assunto do país de origem de um qualquer europeu, por mais comezinho que seja, é mais importante do que os planos da pólvora que um grupo de iluminados andam a parir?
Valha-me o meu habitual optimismo - descarregar isto, já mo começa a devolver! De qualquer mal se pode extrair algum bem.... Ele há Europa para além do referendo em França. Venha o nosso! Só o prazer de discutir a UE com os portugueses, como apesar de tudo os franceses discutiram, já faz o exercício valer a pena. É que não pode mesmo haver mais Europa sem ganhar para ela os europeus!
Que descarregue, e que não se esqueça de puxar o autoclismo. Quanto ao sucesso (na óptica dela) do referendo em Portugal, talvez resulte se Ana Gomes for vender a pescada dela, para os polos, aos pinguins.

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