19/06/2005

As naves espaciais e as greves dos professores.



Enviar uma nave espacial (vulgarmente denominada sonda) a outro planeta, é uma tarefa complexa.

Há que definir metas a atingir, esboçar o projecto e distribuir, por diversas equipas, o desenvolvimento dos diversos equipamentos (instrumentos, motores, etc). Haverá que estabelecer uma equipa para coordenar as restantes.

Além de planear a parte que lhe compete, cada equipa terá que adjudicar os componentes, montá-los, definir métodos de teste, realizar os testes e definir correcções até que o instrumento ou equipamento a seu cargo funcione, em ambiente de laboratório, na perfeição.

Após tudo estar montado no corpo da sonda, (desenvolvido por uma das equipas) terá lugar um ou múltiplos testes finais.

Dada como pronta, a sonda, que neste caso poderia destinar-se ao planeta Marte, será instalada num foguete lançador que a colocará no espaço.

A determinada altura, esse foguete será lançado.

Suponhamos agora que pela altura do lançamento, as pessoas encarregues de o fazer entram em greve.

Se essa greve tiver uma duração curta, será possível lançá-la nos dias seguintes à mesma hora, mas consumir-se-há bastante mais combustível e, chagada a Marte, restar-lhe-há menos combustível para efectuar manobras, implicando a inutilidade prematura da sonda. Haverá pois, uma penalidade irreversível.

Se a greve durar, suponhamos, 8 dias, não será mais possível efectuar o lançamento porque a sonda nunca chegará a Marte: nessa caso, o melhor percurso possível consumirá mais combustível do a quantidade instalada na sonda. O lançamento terá então que ser adiado por um ano.

Um ano depois, haverá que repetir uma imensidão de testes, substituindo mesmo partes substanciais da sonda porque, entretanto, algumas delas teriam que durar mais do que previsto - nessa nova data de lançamento a sonda já terá, de idade, mais 1 ano que o planeado inicialmente. Pode mesmo acontecer que todo o projecto deixe de fazer sentido e vá por água abaixo.

Vejamos agora o caso das greves dos professores.

Os professores planeiam aulas, dão aulas, fazem regularmente chamadas para aferir resultados, realizam pontos, enfim, tentam, na medida do possível, deixar os alunos em condições para o exame final. É certo que o exame final pode não ser absolutamente decisivo, mas será decisivo para uma parte substancial dos alunos.

Suponhamos agora que no dia do exame os funcionários das portarias das escolas entram em greve e alunos e professores não podendo entrar nas instalações vêem-se na impossibilidade de fazer exames.

É certo que, perante este cenário, uma parte inquietante dos professores se estaria absolutamente nas tintas, mas só assim é porque, obvia e habitualmente, se estão absolutamente nas tintas por ver aferidos os resultados do seu trabalho - por ver, em concreto, preto no branco, o fruto do seu trabalho.

Evidentemente que os exames podem ser realizados posteriormente, mas certamente com penalidades. Se assim não fosse a data inicialmente marcada seria inapropriada, coisa que ninguém parece defender.

Se é claro que a muitos professores é indiferente, ver, ou não, os resultados do seu trabalho, também é óbvio que se estão tão supremamente nas tintas que são, eles próprios, capazes de entrar em greve no período de exames.

Sendo absurdo entrar em greve nesse período, tende a parecer que supõem ser o único apropriado para a realizar.

Há outros casos idênticos, como o caso dos trabalhadores do serviço de estrangeiros e fronteiras que ameaçaram greve pelo Euro 2004.

Não é admissível que em períodos corolário de projectos complexos se entre em greve comprometendo substancialmente e irreversivelmente o resultado do trabalho e vida de pessoas.

Não é razoável que médicos entrem em greve suspendendo trabalhos em blocos operatórios e consultas há meses ou anos esperadas, remetendo-as para meses ou anos depois. Sendo difícil contabilizar, isto resulta numa diminuição da esperança de vida – não sendo o adiamento uma vantagem, só poderá ser uma desvantagem que se traduzirá em mortes precoces a curto ou longo prazo.

Imagine-se que em terra os controladores de uma missão espacial tripulada entravam em greve, provocando a morte dos tripulantes de uma nave. Cairia e Carmo e a Trindade. Pois é isso que os médicos fazem regularmente.

Não é, já agora, razoável que se entre em greve às 6as ou às 2as feiras, parecendo que se está a “comprar” um fim de semana prolongado.

Não é razoável que grupos profissionais cuja entrada em greve afecta directa e substancialmente centenas de milhar de pessoas (transportes) entrem em greve de forma repetida e sistemática por terem a capacidade, pela sua própria natureza, de provocar monstruosos estragos. Aliás, do ponto de vista sindical é contraproducente porque leva à percepção dos restantes trabalhadores, da inviabilidade das suas próprias greves por não terem possibilidade de produzir idênticos estragos. Daí ao desinteresse à sindicalização, vai um passo.

Parece cada vez mais que os sindicatos estão a perder o pé e que cada vez mais delineiam estratégias de defesa das regalias de determinadas profissões em detrimento das outras. Conviria talvez que os sindicatos avaliassem estratégias comuns e defensoras da globalidade dos trabalhadores e não só de alguns, de outra forma o movimento sindical no âmbito da generalidade da sociedade está condenado.

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